Coração

No âmbito da comemoração do Dia Mundial do Turismo, a Dreambooks lançou um concurso de fotografia, com três categorias: viagens e cultura, pessoas e gastronomia. Depois de encerradas as participações, o júri da Dreambooks selecionou as 3 melhores fotografias de cada categoria. E assim surge o rosto da encantadora Alzira Rebelo Andrade, de Rabo de Peixe, na categoria pessoas. Se gostarem tanto da fotografia quanto eu gostei dos minutos de conversa que tivemos, que remataram com “‘Êh petchena’, tira-me uma fotografia para ‘mandá’ prós meus filhos do Canadá”, cliquem no coração.

À D. Alzira, a minha gratidão.

Aproveito para relembrar que agora estou aqui:
https://daminhajanelaparaomundo2.wordpress.com/

2

O dois é o meu número de eleição. É tão especial que é o único número par com permissão para ser primo. Não passa de uma mania aliada à matemática. Os dias começam com o despertador a tocar às 7h02; ou 7h22; ou 8h12… Repito, manias. Ao longo do dia vão-se revelando em outros pequenos gestos.
A Janela tem estado fechada, mas não abandonada. Precisa arejar, eu sei. Há algum tempo que atingiu o limite de armazenamento, condicionando aquilo que pretendo desde o dia da sua abertura – partilhar. Após alguma pesquisa e resistência da minha parte em mudar o nome do blogue, decidi criar o Da minha Janela para o Mundo 2. Se as portas têm números, por que motivo não poderão as janelas ter?! Claro que daqui a uns meses o problema repetir-se-á. Para já, sugiro que aproveitem tanto quanto eu a Janela 2. A essência, essa, será a mesma. Partilhar. 

Já sabem o número, mas falta completar a morada. Aqui está ela:

https://daminhajanelaparaomundo2.wordpress.com/

Sejam todos bem-vindos!

Diálogos

Este senhor fala russo (acho eu). E o meu russo resume-me a uma única palavra: spasiba. Perguntei, em bom português, se o podia fotografar, levantando a máquina. O senhor anuiu e manteve o sorriso com que se dirigira a nós. Fotografei. Agradeci e estendi a mão que, imediatamente, foi apertada pelas suas como gesto de gratidão. A barreira da língua pode ser inibidora mas não impede que haja diálogo. Comunicámos através do olhar, do sorriso, das mãos. 

Ao som do vento…


“I remember the sound of the wind as I was falling asleep. The tree branches scraping the roof like people whispering. I arrived here one winter morning or maybe it was spring. I can’t remember anymore. The mind plays tricks.
(…)
I came here because I wanted a home where I can find peace. Where I can be treated like anyone else. Where I can be anyone I want to be.”

https://open.spotify.com/track/7hXAREDWLqX7OVDwEjQMTr

Mantra

Há livros, frases e certas palavras que devem ser lidos todos os dias, como se de mantras se tratassem. Aliás, atrevo-me a dizer que deviam ser prescritos em hospitais, recomendados nas escolas ou até mesmo ao vizinho do andar de baixo. E já agora, ao do andar de cima também. Jamais devemos deixar cair no esquecimento. Este é um deles…

“(…) E muitas vezes acabamos por compatibilizar os nossos desejos àquilo que prevemos que possa acontecer, àquilo que é mais plausível que aconteça; abdicamos de desejar o que efectivamente poderíamos desejar, porque o tememos inalcançável, para nos contentarmos em desejar aquilo que cremos realizável e exequível. É como se existisse uma espécie de central sindical reaccionária dentro de cada um de nós, a reivindicar não a evolução e o crescimento e a mudança mas a simples manutenção da situação; e sob a influência desta central sindical, passamos a viver numa espécie de patamar mínimo de desejo e felicidade, acantonados nos nossos direitos adquiridos; habituamo-nos a esse patamar mínimo, seguro e previsível, controlável; abdicamos de ambicionar e perseguir uma felicidade esplendorosa, inesperada e possivelmente aniquiladora (talvez avassaladora mas obviamente impossível de manter indefinidamente), para nos acomodarmos a uma amostra de felicidade mínima mas estável, uma espécie de serviços mínimos de felicidade, sem risco nem chama nem combustão. Procuramos paz e tranquilidade, quando talvez devêssemos ambicionar agitação e desassossego. Dizemos que vivemos cada dia como se fosse o último mas, na verdade, vivemos cada dia como se fosse o antepenúltimo. E habituamo-nos.
(…)
Sentindo a passagem dos segundos, contando-os um a um. E de repente apetece-me contá-los mesmo, murmurando os números em voz baixa e não apenas pensando-os mentalmente. Apetece-me contar mas não em contagem decrescente, como fizera antes; apetece-me começar do princípio, como se a vida estivesse a iniciar. Um-dois-três-quatros-cinco-seis-sete. Como se houvesse uma possibilidade de recomeço. Um novo nascimento. Doze-treze-catorze-quinze. Uma infinidade de segundos para preencher, para viver; alguns vazios, alguns banais, alguns dolorosos, alguns insuportáveis, alguns felizes; a felicidade possível, uma felicidade que momentaneamente até poderia ir além dos serviços mínimos. Vinte-e-um-vinte-e-dois-vinte-e-três-vinte-e-quatro. Quem sabe?”


Serviços Mínimos de Felicidade | Paulo Kellerman

Rosto de uma realidade

Longe dos centros urbanos de um país plantado à beira-mar há uma realidade que teima ser esquecida; há uma realidade feita de pessoas com mapas de vida no rosto e nas mãos; e livros de história no olhar e no coração. “Boa tarde” e um sorriso são as chaves para abrir a porta de uns bons minutos de aprendizagem e partilha. Este é o bonito rosto de uma realidade que teimo não esquecer…

Sonhos

“A realidade pode ser muito dura, mas os sonhos dão boas almofadas. O mundo pode ser de pedra, mas os sonhos são um colchão por cima dele e têm a teimosia e a ousadia de não desistir. Por mais que os afastemos, enxotemos como fazemos às moscas incómodas, os sonhos voltam sempre a assombrar-nos, a pousar-nos na cabeça, a picar-nos. Não é a dureza do mundo que vence, são estes insectos frágeis, sem ossos, sem corpo, a que chamamos sonhos, que acabam por fazer buracos no mundo, por o penetrar e vencer.”

Princípio de Karenina | Afonso Cruz

Viagens fundamentais

“Num conto intitulado Conversa de quintal, Olinda Beja põe uma personagem a dizer que tem na sua cabeça um mundo de histórias a estragarem-se (Eu tem um mundo de sóya aqui no cabeça a estragá).

Culpamos muitas vezes as novas tecnologias e as redes sociais pelo desinteresse a respeito de certas tradições e partilhas culturais e, por isso, as histórias ficam a estragar-se na cabeça de algumas pessoas. Eu, na altura em que poderia ter impedido uma série de histórias de se estragarem, cometi exactamente o mesmo erro, o da indiferença. Hoje tenho muita pena de não ter ouvido dos meus avós, da minha mãe, as histórias que poderia ter ouvido. Como não havia redes sociais, creio que o culpado só posso ser eu. Penso que o meu caso não será único, e muitos de nós deixaram histórias estragarem-se assim como verão muitas das suas a definharem sem se cumprirem, sem terem a possibilidade de sair e habitar outro corpo, não por causa das redes sociais, nem por causa de culpados anteriores, a televisão ou as brincadeiras de rua, mas por mero desinteresse ou, se quisermos, incapacidade para avaliar e detectar as riquezas que nos cercam. O que nos interessa na juventude não é o mesmo que nos interessa na maturidade ou na velhice, e isso é um problema difícil de sanar. Em África repete-se muito um conhecido adágio: quando morre um velho desaparece uma biblioteca.

Alzira Rebelo Andrade | Rabo de Peixe

Podemos fazer grandes viagens, Samarcanda, Bagdade, Wadi Rum, Agra, podemos subir as montanhas mais altas, deixar pegadas num deserto africano, dormir com leões e nadar com tubarões, fotografar auroras boreais, cavalos selvagens e vulcões zangados, mas há viagens demasiado próximas que têm mais grandiosidade do que as maiores e mais belas quedas de água ou picos nevados ou selvas luxuriantes ou imponentes túmulos de pedra. A grande viagem começa às vezes ao nosso lado, pode estar a um pequeno percurso de carro ou de autocarro ou a pé ou de bicicleta, pode ser facilmente encontrada no interior do país, por exemplo, onde a solidão se cultiva com mais zelo do que os campos de searas, pode estar no café de uma esquina ou no quintal. Pode estar sentada na nossa sala. Há grandes viagens que se deitam todos os dias em nossa casa e sonham sozinhas. A essas viagens fundamentais, as mais belas de todas, chamamos simplesmente “disponibilidade para ouvir”. Ou partilha. Ou tomar um chá ao fim da tarde.”

Texto de Afonso Cruz | Evasões 360|24 de agosto de 2018